O Pacífico não é tão frio assim
- 2 de ago. de 2024
- 2 min de leitura
Daniel Montoya (texto)
Guadalupe Fernandez Presas (imagem)

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Conhecer Pacífico me marcou por um detalhe: ele me conhecia de antes. Quando pisei na sua espuma, se retraiu e se escondeu na areia, como se meu pé quente o tivesse afugentado. Corri em sua direção e ele voltou a me tocar, tropecei, rolei, caí. Com seu corpo na boca falei que sentia o gosto do suor do meu pai e das lágrimas da minha mãe. Ele assentiu.
No mergulho descobri que temos e tivemos amigos e afetos em comum. Afetos, inclusive, com gente que não conheci. Há muito tempo conheço os teus, me explica o mar. Os meus? Estranhei, peguei um jacaré, saí da água. Na areia, fiz um castelo decorado com conchinhas. A maré quis subir, construí um muro de proteção e um pequeno fosso ao redor. Mas a certa altura a água veio e derrubou tudo, não teve jeito. Entrei de novo no mar nervoso e ele se desculpou, mas disse que é assim mesmo, vive entre avanços e retrocessos. Eu respondi tudo bem, sem entender o que poderiam significar avanço ou retrocesso. Para mim, o mar ia, vinha, trazia, levava.
Ele insistiu na conversa, e meu anseio infantil era só mergulhar e pular ondas e brincar de ver formas nas espumas. Ele me desenhou uma rosa, e depois uma forma que lembrou um espírito, que caminhava até mim. A água gelada esfriou minha espinha. Saí. Mercedes, que me acompanhava na praia, percebeu meu silêncio inquieto. Caminhava pela areia de um lado ao outro, achando até que estava perdido na praia lotada. Ela grita, que pasa, mijito? Volto correndo e falo, nada, vó, nada. A gente não se comunicava muito bem. Eu sou do Atlântico, do lado de lá, e ela do Pacífico, separados por montanhas, florestas e línguas. É o vento, entendo ela dizer, pega a toalha, me enrola, ficamos ali um tempo sendo aquecidos por Inti, o sol.
Resolvo entrar na água outra vez, entre curioso e intrigado por rosas e espíritos. Mas agora ele não desenha mais nada, parece que não quer conversa. Pego as ondas, chamo por ele, dou gritos em baixo d’água. Nado, nado e ele nada. Fico ali até bater a fome. Volto para Mercedes e consigo comunicar que tengo hambre. Não muito depois, passa uma vendedora de choclos. A vó pega a carteira e quando abre para tirar cinco soles vejo duas fotos 3x4, um homem e uma mulher. Ela paga, guarda a carteira e eu como feliz.
O Sol começa a descer sobre o mar, o que indica hora de ir. Carregamos nossas poucas coisas e Mercedes pergunta se gostei da praia. Sim, respondo, mesmo sendo esta água mais fria do que estou costumado. Ela dá uma gargalhada e logo depois lamenta o fato nunca ter pisado no Atlântico. Para tudo me chama de hijito. Pergunto então sobre as fotos na carteira. Ela me responde Rosa y Espíritu, mis padres. Sinto o sal do mar em mim e penso o Pacífico não é tão frio assim.
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