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Morte Passageira

  • 5 de set. de 2024
  • 2 min de leitura

Josi Basso Pastifício (texto)

Nicole Guimarães (imagem)



Pela areia ele caminha lentamente. Não tem pressa. Com passos curtos, suas sandálias de dedo pesam na areia branca e fofa. O rastro que deixa se perde em segundos, em pequenos redemoinhos. Horas antes, o vento Sul havia batido e, pouco a pouco – mas rapidamente, o mar se tornou revolto. Neste momento, as pequenas marolas começaram a atropelar umas às outras, sem direção, formando ondas grossas, que parecem sempre ter existido ali. 

Chega ao seu posto de trabalho. Um pequeno rancho à beira mar, de tábuas grossas, que contam histórias, exibem a passagem do tempo. É seu refúgio. Mesmo sem abrir a portinhola para possíveis compradores, sua escolha – dia após dia - é ficar ali, onde cada detalhe tem alma e significado. Senta na pequena escada. Olha para o horizonte. Nenhuma embarcação saiu. Ninguém à sua volta. Então, fecha os olhos e embarca em seus pensamentos. Assim como a madeira que compõe seu rancho, as marcas do tempo cobrem sua face, desgastada pelo sol. 

Com a maré a subir, seus pés estão encharcados. Mas nada o tira do seu torpor. O vento aumenta, mas é morno. O calor não cede. “O senhor sabe que todos nós morremos diversas vezes, nesta nossa passagem por aqui? O senhor pode estar morto neste momento. Estar num dos planetas onde ninguém descobre que há vida porque estão reservados para a morte passageira. Sim, há muita vida, mas todos terão de voltar. São as mortes soflagrantes”.    

Eu não o conheço, mas se a maré lhe trouxe, fique. Mas, calado!!!!’ “Não posso deixar de lhe dizer que não poderá ficar onde está. Este lugar é apenas para as mortes passageiras. Por isso está tão feliz. Olhe para os peixes ao seu redor. Brilham em excesso. Há espécies que nunca antes o senhor sonhou poder ver. Se olhar ao seu redor, vai aferir o quanto a terra é profícua. O horizonte límpido. As frutas, reluzentes. Suas mãos calejadas, não lhe causam dor”. ‘Deixe-me em paz. Siga seu caminho. Estou bem. Estou feliz e vivo!’   O vento amenizou, e, na pequena baía, o mar voltou ao curso normal. Os pescadores retomaram as atividades, e as baleeiras, cada qual, seguiu seu destino. Em uma delas, que se encontrava na direção do rancho, o jovem que acionava o motor deparou com um corpo a se debater, gritando por socorro. ‘Meu filho, muito obrigada. Minhas mãos doíam demais para chegar à areia. Na verdade, voltaram a doer. Por algumas horas, achei que haviam curado. Até consegui puxar minha rede e lotar meu caíco de pescados. Mesmo com o vento Sul.’ Seu Timoteo, o senhor que me desculpe, mas devo lhe dizer. O seu caíco tá lá na restinga. Consegue ver?  


 
 
 

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